sábado, 4 de dezembro de 2010

Presidencialismo ou absolutismo?

Thomas Hobbes foi uma figura marcante, não somente por seu extremo pessimismo em relação à pessoa humana, mas também em relação ao que pensava ser o sistema de governo perfeito. Contra todas as opiniões democráticas da história, foi o primeiro a defender, verdadeiramente, o absolutismo. Justificava-se por acreditar ser um poder no qual a soberânia é embuída de maior legitimidade do que os regimes comuns, razão esta que o fez acreditar na concentração e na centralização do poder em uma pessoa só, o que já vimos nos textos sobre princípio de subsidiariedade que é o inverso da busca pelo bem comum.

Seu pensamento foi um escândalo para a época em que viveu, no século XVII, onde a Igreja Católica ainda gozava de grande influência e sempre reafirmava a pessoa como um ser extremamente social e sujeito da busca de sua própria dignidade. Por isso, foi considerado herege, por acreditar no poder, não na escolha divina (como alguns acreditavam que eram escolhidas as famílias destinadas às coroas), mas na forma de coação puramente racional, tal como Maquiavel.

Porque falamos em Hobbes? Porque hoje vemos o Brasil, dividido em três amplos poderes, no qual apenas um é soberano em relação a todos eles e, através da União, isenta de norteamento pelo princípio de subsidiariedade, controla o que deveria ser funções autônomas dos Estados-membros e dos Municípios, vez que também possui, na figura do seu chefe, as funções de Estado, governo e administração. É o que Cezar Saldanha Souza Júnior chama de executivismo, para evidenciar de forma mais adequada até onde estamos querendo chegar.

Sim, o presidencialismo no Brasil é comparável aos regimes absolutistas pois o chefe de Estado, além de ser autoridade máxima em absolutamente tudo, é aquele que vai ditar as regras do governo e da administração, o que é delegado - em países em que os sistemas institucionais realmente funcionam - para um chefe de governo e um ministro que garanta a boa administração. Se formos pensar, o presidencialismo brasileiro pode ser ainda pior do que o absolutismo, vez que, além de todas as semelhanças, tem como vantagem o instrumento de medida provisória - uma faculdade originada do sistema de governo inglês - que é destinada para uso do chefe de governo, não o de Estado, e que aqui é usada basicamente sem critérios, passando o presidente brasileiro por cima do Congresso Nacional - os representantes do povo - quando bem entender, minimizando-o a mero tabelionato de MPs e ameaçando trancar sua extensa pauta se elas não forem votadas em um prazo mínimo estabelecido por ele (presidente).

Ainda há outro elemento que assemelha o regime brasileiro com o absolutismo: o nosso presidencialismo, informalmente, pode ser chamado de presidencialismo de maioria. Porque presidencialismo de maioria? Porque qualquer eleito, quando eleito, vai possuir a maioria, porque o objetivo dos partidos maiores sempre será "ser governo", a fim de conquistar cargos estratégicos para seus cabos eleitorais e pessoas mais próximas; e aqui não entraremos no mérito, pois é outro problema institucional, mas que não se confunde com o problema do sistema de governo e Estado, pois é normativo-eleitoral.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O perfil dionesiano do liberal relativista

No início do século XX iniciou-se um dos maiores e mais fortes matrimônios filosóficos já vistos na história. Anteriormente, o século XVIII foi vítima de uma das doutrinas mais sombrias e individualistas: o liberalismo ateu, que teve seu apogeu com a Revolução Francesa, onde seu pensamento laicista e individual causou fortes influências no mundo todo, diferentemente do liberalismo-conservador inglês, que renovavou as instituições políticas e trouxe novos ares para o desenvolvimento cultural. Pois bem, este pensamento foi aos poucos se reforçando com as "modas" dos séculos que o procediam, como o gnosticismo - a busca de Deus para si mesmo, na qual os seus praticantes, alguns à serviço da chamada New Age, afirmavam ser apenas a prática do "conhecimento espiritual" - e o secularismo - a negação militante a toda e qualquer religião, principalmente através da doutrina niilista -, mas foi no século XX que ele atingiu seu apogeu.

Paul Johnson indica no livro "Tempos Modernos" o início de uma doutrina que, a partir da teoria da relatividade de Einstein, confundiu ciência e circunstâncias humanas criando uma idéia de que nada, absolutamente nada, era relativo. Não somente o tempo e o espaço, mas também as circunstâncias, as relações humanas e (pasmem) até mesmo Deus! Era o que faltava para Nietzche dormir bem e para que Einstein, que era judeu praticante, não conseguisse se conformar com tamanha situação.

E assim, ocorria na prática o chamado perfil dionesiano, o qual Nietzche havia conceituado. Para ele, este seria um homem sem sonhos, sem caminhos, movido apenas pelo seu impulso e sua busca intensa por satisfação - seja ela riqueza, poder ou prazer - pois o que vale, segundo ele, é o homem ser o super-homem que Deus não foi, porque foi "morto". O perfil dionesiano rejeita a felicidade, aquele objetivo naturalmente humano que se busca através das relações humanas e do reconhecimento de sua dignidade, e faz isso pelo seu bem próprio. Bem do próximo? Bem comum? O que é isto para o dionesiano, afinal? Provavelmente algo sem importância e estaríamos atrapalhando o seu comodismo ocioso fazendo-o perder tempo para pensar o que seria.

Parece exagero, mas não é: o dionesiano é o relativista de hoje. Seu comportamento humano padrão é baseado no individualismo, seu apego se norteia pelo materialismo e sua religião é o liberalismo econômico, aquele que rejeita a intervenção do Estado - que está justamente para regular e para defender a pessoa humana - na economia, que é o lugar onde vão se produzir riquezas, seja de forma boa ou má. Não é maior inimigo do que o coletivista, aquele que quer utilizar-se das pessoas para proveito pessoal, mas ainda assim deve ser evitado pois a sua expressão cultural é uma violação à ética, aos bons costumes e ao objetivo social da participação e da finalização do bem comum. No fim das contas, ambos serão muito mais semelhantes do que aparentam, pois cultivam uma distância muito grande da idéia de pessoa humana.

Fontes utilizadas:
  • TOCQUEVILLE, Alexis de. O Antigo Regime e a Revolução. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
  • NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de Filosofia - Das origens à idade moderna. São Paulo: Globo, 2005.
  • JOHNSON, Paul. Tempos Moderno s - O mundo dos anos 20 aos 80. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora e Instituto Liberal, 1994.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O problema de reconhecimento humano da Teoria dos Jogos

John Finnis, conceituado nome internacional da filosofia do direito, desenvolveu em seu livro "Lei natural e direitos naturais", a Teoria dos Jogos. Esta teoria se baseia em uma relação entre duas pessoas, ambas com objetivos - não necessariamente em comum - que tentam utilizar-se de benefícios mútuos de suas relações para atingir a estes fins. Aqui não se trata de taxar estes meios como maus, o que Tomás de Aquino afirmava modificar o caráter do bem findado como um mal em si, no qual afirmou ser papel da prevenção, um elemento caracterizador da prudentia, evitar qualquer mal nos meios utilizados pela prática, sob pena deste bem passar a ser um mal como um todo.

Há um sinalagma na relação entre os dois jogadores, porém, não há amizade, não há phylia, não há uma relação subsidiariamente verdadeira ou solidária, vez que na busca de seus bens próprios (que também são bens), não conseguem reconhecer o bem do outro. Logo esta falta de reconhecimento no bem do outro afeta os seus reconhecimentos relativos ao bem de seu ordenamento (comunidade humana) como parte de seu bem. Uma vez que os agentes estão procurando seus bens de forma individualista, quem perde é o bem de todos na comunidade humana e no Estado, que carece de subsidiariedade e participação das pessoas como seus sujeitos.

Nada impede que esta relação entre os citados jogadores floresça e venha a se tornar uma relação de amizade próspera, que venha a trazer bens, não somente aos seus indivíduos, mas à sociedade. O importante aqui não é desconsiderar o bem individual, mas é também não excluir o bem coletivo e o seu reconhecimento como parte deste bem individual. Mais importante que o apego ao individual é não se importar apenas com o bem coletivo, para não tendermos a cair no fundamentalismo do socialismo marxista, na qual a tendência será - independente de desigualdades de formação, classes ou virtudes - deixar todo o coletivo como um igual personalístico, minimizando a idéia de pessoa humana e a reduzindo a uma mera célula em um organismo, o que pode resultar em violações na família, na inviolabilidade da vida desde a concepção e até mesmo atrocidades e violações ao corpo humano em nome da ciência, da paz, dos pobres, entre várias outras razões que são utilizadas para justificar o bem coletivista e redutor de dignidade.

Quando não há justiça, não há subsidiariedade. Logo, quando não há solidariedade (phylia), não há bem comum. Pois quem se preocupa muito com o próprio bem, sem considerar este parte do bem da coletividade, de forma sensibilizada, está se colocando no risco de violar o seu dever de participação dentro da sua comunidade humana, e isso, em outras palavras, pode ser a renúncia até da sua dignidade como pessoa humana, pois não há dignidade sem participação no bem comum, uma vez que a dignidade da pessoa humana se contempla na sua busca ao bem comum, seja o seu bem próprio e o bem coletivo, na natural relação social humana de se organizar, cooperar e evoluir.

Fontes utilizadas:
  • FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais . São Leopoldo: Unisinos, 2007.
  • AQUINO, Tomás de. Suma Teológica . II-II.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Analisando a verdade: os documentos vazados do Wikileaks que citam o Brasil

Este blog tem se dividido em dois eixos, o primeiro acadêmico, de demonstrar problemas axiológicos através da filosofia, da história e das ciências políticas; e o segundo informal, onde fazemos uma ponte e uma reflexão entre o primeiro e elaboramos o segundo a partir de fatos atuais. O caso deste post é o segundo.

O Wikileaks publicou nesta semana milhares de documentos secretos sobre a relação dos Estados Unidos com os demais países, no qual o país americano classifica, através de sua inteligência interna, o que vêm a ser um risco para sua segurança interna. Isto lhe causou um grande constrangimento e, sucessivamente, acelerou as buscas a Julian Assange, fundador do Wikileaks, acusado de estupro e agressão sexual - o que ele nega e afirma ser parte de uma campanha caluniosa-, pela (acreditem) Interpol. Realmente, é de se constatar de que o provável estupro de Julian, é o primeira a se tornar preocupante em nível internacional. Ademais, não deve ser o pior caso de estupro que o mundo já viu, a ponto da Interpol estar tão comprometida com a sua captura. Mas, façamos apenas a constatação preliminar, não entremos neste mérito.

1. Parece, inicialmente, que os Estados Unidos tem utilizado do Brasil para contra-terrorismo, uma vez que o documento 09BRASILIA1540 afirma que existem "dois discursos diferentes do governo brasileiro em relação ao combate ao terrorismo; politicamente, o Brasil continua a negar a presená e a ameaça potencial de terroristas e terrorismo no Brasil, mas, enquanto isso, os detentores do poder de polícia e a inteligência monitoram e cooperam no combate à ameaça". A Polícia Federal teria prendido, em abril de 2009, uma célula da Al Qaeda no Brasil. O que estaria irritando os americanos é o fato de que o Brasil nega que a Al Qaeda tenha interesse em estabelecer presença no Brasil.

2. O que realmente parece preocupar os Estados Unidos, em relação ao Brasil, é uma liberalidade no que eles chamam de Tri-Boarder Area(TBA), ou fronteira trilateral, composta por Brasil, Argentina e Paraguay (e não Uruguai, como alguns veículos de comunicação haviam publicado), onde haveria uma liberalidade de operações ilícitas que facilitariam o financiamento de grupos terroristas.

3. Outro incômodo: o Brasil, talvez por razões políticas, não possui uma lista oficial de grupos terroristas e os preocupa o fato de não considerar as FARC como uma.

4. Resumindo todo o documento, me parece que o Brasil estaria comprometido a este combate ao terrorismo e estas atividades ilícitas na TBA e que existiria, desde 2003, um pacto entre as agências de inteligência americana e brasileira.

5. Os Estados Unidos enchegam, segundo o documento 08BRASILIA429, o Conselho de Segurança Sul-Americano como um meio para expandir o material bélico dos países que o compõe, reforçando a idéia de liderança brasileira no continente e moderando Hugo Chavez de ser a liderança.

6. No mesmo documento, os americanos vêem o Ministério das Relações Exteriores, chefiado pelo min. Celso Amorim, um problema para a relação entre os dois países, pois este tem sido um empecilho para estabelecer uma política de defesa entre Estados Unidos e Brasil - provavelmente por razões ideológicas.

Para acessar os documentos que citam o Brasil, na íntegra: http://cablegate.wikileaks.org/origin/33_0.html

Frutos da indiferença: o caso do tráfico de drogas no RJ

Neste mês comemoramos algo que não ocorria há mais de 30 anos nos morros do Rio de Janeiro: a ocupação de dois grandes complexos de favelas que eram consideradas, mais do que meros pontos de boca de fumo, um estabelecimento matriz do mal que é o tráfico de drogas carioca. Os números das apreensões são impressionantes: mais de 40 toneladas de maconha, mais de 130kg de cocaína, 50 fuzis, e por aí vai. Isso sem falar no luxo oculto dos chefões do tráfico, em apartamentos melhores, mais bem mobiliados e mais bem decorados que muita habitação do Leblon. Ou seja, o Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro eram um mundo a parte, e o Estado não fazia parte deste mundo.

Há 30 anos, os favelados sofrem com a escassez da educação e com a falta de oportunidade, pois não houve, nestes anos, qualquer interesse nas suas qualificações e iniciações profissionais, tendo eles de depender apenas dos seus próprios instintos e dos seus escassos conhecimentos para sobreviver. E nós sabemos: na selva, vale tudo. E assim aconteceu. Muitos começaram no crime, evoluíram para traficantes de drogas, e criaram corporações do mal - verdadeiros conglomerados do crime organizado, a serviço dos próprios criminosos e de suas comunidades, ocupando o espaço que o Estado não ocupava.

Agora, uma reflexão é necessária. Chegamos ao ponto de fazer guerra contra a própria pessoa humana, quando o Estado, que deveria servir a esta pessoa humana na luz dos princípios mais básicos (subsidiariedade, solidariedade e dignidade da pessoa humana), não o fez, e criou seres tão selvagens e frios quanto animais.

Os moradores das comunidades, em momentos de grande lucidez, concederam ao BOPE - divisão especial estratégica da polícia militar carioca - todo o tipo de suprimento - água, café e comida - demonstrando que não é o bem próprio, através das corporações do tráfico, que as pessoas dali desejam, mas sim o bem comum através do Estado que, embora completamente ausente nestes anos todos, é o que ainda estas pessoas acreditam. Pois só resta a elas acreditarem nisto.

Se houver agora uma maior integração do Estado com estes morros, que estão acessíveis e ocupados. Se parte da população carioca colaborar não comprando as drogas que estes traficantes vendem, seremos capazes de começar a falar em dignidade da pessoa humana e de cultivar o que é mais valioso que qualquer coisa dentro daqueles morros: as vidas que lá vivem.