sexta-feira, 27 de abril de 2012

Os limites da relação Igreja e Estado e o papel do leigo na política


"Dai a Deus o que é de Deus, e a César o que é de César"
Cristo proferiu essas palavras ao ser interpelado por uma pessoa que talvez tivesse a esperança de que, para o Filho de Deus, não fosse correto pagar impostos. E seu desejo acabou sendo frustrado. Nosso Senhor não somente afirmou nessas palavras que é correto "dar a César o que é de César", como "César e Deus não podem ser confundidos". Logo, nos causa o dilema: qual é o limite para essa relação política entre Igreja e Estado?

Para início de conversa, o Estado é hoje reconhecido pelo Concílio Vaticano II como, se exercitado pela política, o potencial maior promotor do bem comum dentre todas as instituições da terra, incluindo a própria Igreja. Isso porque o Estado não foi feito apenas para o povo de Deus, mas para todas as pessoas que estão inseridas na mesma sociedade que é também ocupada pelo povo de Deus. A "Gaudium et Spes" deixa isso muito claro na relação que o Estado deve possuir com os ateus, e mesmo assim alguns pertencentes a este grupo insistem em culpar a Igreja das insatisfações de suas vidas vazias, o que tampouco caberia entrar no mérito.

O Estado foi um ente inesperado pela Igreja Católica. Surgiu como forma de colocar reis em patamares superiores em relação à própria Igreja - na Idade Moderna -, e evoluiu no sentido de afastar qualquer valor moral que essa pregasse - no período liberal. E de fato, a retaliação ao eclesial resultou no aperfeiçoamento do Estado não por parte dos liberais franceses, revoltos entre si e traumatizados pela cisma causada, mas pelos liberais ingleses, mesmo que ligados ao protestantismo pregaram a valorização histórica e a moral cristã (mesmo que na forma do puritanismo exacerbado), o que tirou o Estado do ateísmo, aceitando a ética cristã, porém de maneira laica, em forma de princípios.

Foi assim que a Igreja aproveitou-se de sua universalidade, enquanto protestantes e islamicos tornavam seus estados identificados com a sua crença (no ocidente na Grécia, Rússia, Estados Unidos e Inglaterra), para promover a sua doutrina social e preencher as lacunas que não seriam preenchidas pelo empirismo (para não taxar de deísmo) liberal inglês. É por essa razão que não somente a instituição eclesial não quer qualquer relação com a política, e ao mesmo tempo mantém relações diplomáticas com países e com orgãos internacionais, em prol da manutenção da paz mundial e da garantia da dignidade de seus fiéis.

Muitos erros em relação à política e a Igreja foram cometidos neste caminho, muitos deles já admitidos com direito ao perdão expresso do Santo Padre, como no caso das cruzadas. Porém, é da universalidade cristã que hoje a Igreja prega que devem-se sair os apostolados cristãos para a política. E como não pode ser do clero, tem de ser dos leigos.

No século XX, passada a guerra, tivemos excelentes exemplos dessa universalidade, na pessoa dos leigos. Leigos católicos, como Jacques Maritain, deixaram a marca da Doutrina Social da Igreja na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o documento que criou a ONU. Konrad Adenauer, o católico da Remânia que ousava pregar um novo Estado Federal da Alemanha em pleno reich nazista, foi o primeiro chanceler alemão após a Segunda Guerra Mundial, e em meio a  uma Alemanha devastada reestabeleceu uma federação solidarista com a Lei Fundamental de Bonn. Igualmente Alcides De Gasperi, declarado Servo de Deus, na reconstrução da Itália, que mesmo com o fenômeno da transgressão cultural social construiu instituições fortes o suficiente para o bem comum ser executado socialmente e moralmente, a ponto de dar ao cristianismo um berço onde sua Igreja poderia deitar por mais um século em paz.

São poucos nomes é verdade. O poder que a política representa acaba por corromper os objetivos puros de nossos irmãos que não acreditam serem possíveis efetuarem missões com a mesma galhardia de Adenauer ou De Gasperi. Porém, esses devem ter a consciência de que não é somente a Igreja que os necessita, mas são também os seus próximos, os quais Cristo pediu que fossem amados. E existe ato de amor maior do que promover o bem comum a estes através do maior promotor deste bem? Não enquanto existir a figura do Estado e este tornar isso possível.

Publicado na Revista In Guardia nº 4/2012

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