quinta-feira, 25 de novembro de 2010

As perguntas que ninguém sabe responder do que ocorre no RJ

Senhoras e senhores, visitantes deste blog de política. Mais do que nunca, a luta pelo bem comum é também a luta pela verdade, principalmente quando esta se relaciona com o bem estar de cada brasileiro ou brasileira. Por isso, quebro, neste momento, o protocolo de perfil acadêmico deste blog, para fazer questionamentos que realmente necessitam serem esclarecidos em relação à ação do dia de hoje na Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de Janeiro.

1. Pelo que parece, tudo começou pela rejeição, dentro da Vila Cruzeiro, por rejeição de traficantes em relação a uma pequena UPP. Uma UPP foi razão para que toda a cidade sem exceção fosse alvo do vandalismo da carbonização de automóveis?

2. Quando ocorrem ações de facções poderosas do crime organizado, e aqui somente vejo duas com condições de fazer tamanho estrago - Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital -, normalmente costumamos ver rebeliões em penitenciárias, bandeiras dos comandos, qualquer tipo de sinal que indique quem realmente está cometendo a ação. Apesar do histórico exibicionismo de ambas as facções, nenhuma se pronunciou até o momento e nenhuma demonstrou qualquer ato que chamasse a atenção. Não ocorreram sequestros, nem qualquer tipo de ordem de fechamento de comércio, que é o limite dessas facções, que são limitadas ao seu poder interno de comando das áreas de favela, não são maquinas de guerra e nem possuem conhecimento estratégico para tal.

3. A operação era na Vila Cruzeiro, onde se encontravam os bandidos, segundo a inteligência. Ao mesmo tempo vários carros eram incendiados em TODAS as zonas da cidade, sem exceções. Ao momento da ação foram cerca de 40 que já haviam sido carbonizados. Até o momento já foram 70 carros carbonizados, ao menos 5 apenas nesta noite.

4. Para quem acompanhou ao vivo a situação, após a invasão da Vila Cruzeiro, quando os traficantes subiram o morro e fugiram, pela mata, para o Complexo do Alemão, algo muito estranho aconteceu. Se o objetivo era capturar os bandidos, em primeiro lugar, não fecharam o Complexo do Alemão para isso, lugar presumido como óbvio para a fuga dos bandidos. Em segundo lugar, o helicóptero do BOPE estava ACIMA dos bandidos, que estavam fugindo armados de fuzis (logo resistindo à prisão) e NÃO ATIRARAM, nem com fuzis, nem com bombas de efeito moral e nem com granadas para dispersar o caminho dos bandidos. Com todo o respeito à instituição, mas me pareceu que o BOPE não estava realmente interessado na captura dos bandidos, mas sim na ocupação da Vila Cruzeiro, razão pela qual, não buscaram os fugitivos, que, neste momento, se não forem completamente estúpidos, devem estar bastante longe do Rio de Janeiro.

São questões que precisam ser respondidas, pois, de fato, não só a reação do Estado foi maior, mas também o estopim dos bandidos foi atípico. Hoje sabemos que as milícias são realmente uma realidade e que elas são, comprovadamente, utilizadas para fins eleitorais, como foi comprovado no caso do deputado estadual carioca Cristiano Girão (PMN), que inspirou o personagem Fortunato, de Tropa de Elite 2. Leva-se em consideração, não somente o poder exibicionista das facções que, quando cometem este tipo de atentado contra a população, é porque querem demandar algo, que sempre fica bastante claro. Ninguém queima carros por queimar e nem por uma unidadezinha de polícia pacificadora, mas alguém mata por alguma razão policiais, como ocorreu em São Paulo, em 2006.

Aqui não me cabe fazer qualquer tipo de acusação do tipo, mas sugiro uma reflexão: "estariamos, nós, assistindo Tropa de Elite 2.1, a continuação?".

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Participação como requisito para a dignidade

É uma obviedade dizer que a pessoa humana tem um caráter natural de vida em sociedade. Desde a sua criação, esta se juntou a outras pessoas e criaram nações. Geraram uma infinidade de técnicas e conhecimentos. Acharam formas de se auto-disciplinar e buscaram, por si mesmas, formas de, inclusive, transcender o seu espírito. Mas qual é, de fato, o sentido maior desta participação humana?

João Paulo II afirmava que a participação humana é um primado para a sua dignidade, pois ela deve ver no próximo o "outro-eu". Na verdade, ele quis demonstrar com esta afirmação que, não havendo o reconhecimento de que o meu bem próprio, aquele que eu busco independente de outra pessoa, é também parte do bem comum, e que quando inicio a busca do bem comum ou do bem do próximo esta se torna, por fim, igualmente a busca do meu bem próprio.

Trata-se, portanto, do direito natural e da capacidade da pessoa de buscar a sua dignidade, asseverado por Tomás de Aquino, que considerou que a busca da dignidade humana também se confunde com a finalização do bem comum. Porém, o princípio de subsidiariedade - vestido de princípio de justiça - vai afirmar que se houver esta capacidade e não houver participação da busca desta pessoa por este bem, ela estaria, sim, renunciando à sua dignidade, que é o seu bem maior como pessoa humana, visto que ela não poderia ser contemplada com tal valor se não foi sujeito de sua busca, não seria justo, seria dado algo a alguém que não pertence.

Não estamos falando aqui dos casos de pena de morte impostos à pessoa e muito menos da renúncia à inviolabilidade de seu corpo, mas do seu papel negativamente marcado - seja pequeno ou grande - como o sujeito omisso da ação que busca o bem comum, aquele que na inércia de sua individualidade não sabe ou não quer viver em sociedade, como Hobbes costumava descrever a pessoa humana. Aquele que não quer ser sujeito das transformações de sua sociedade é, por fim, cego e indiferente, pois não consegue ver o bem do próximo, nem o bem de seus filhos, nem o bem de sua família e, por lógica, nem o seu bem próprio. É um perfil dionesiano, embriagado e sem sentido de vida, como afirmava Nietzche, porém, na realidade, embuído de culpa por ter renunciado ao seu bem maior e ter renunciado o seu direito à felicidade, que é um fim da dignidade humana.

A pessoa humana é um ser social. Qualquer coisa que a afaste da vida em sociedade ou que a torne utilitário e não sujeito do seu bem e do bem de todos, é um atentado à sua dignidade através do princípio de subsidiariedade, que vai dizer que se deve dar toda a condição para que a pessoa busque esta dignidade. O mesmo é arbitrado para a liberdade. A pessoa terá direito à sua liberdade uma vez que a exerça buscando-a, através da razão prática e de suas virtudes, não havendo qualquer direito a este bem se for inerte a ele.

Neste sentido, conclui-se que o Estado deve procurar sempre formas para que as pessoas sejam sujeitos de seu progresso, e não utilitários, uma vez que a única razão da existência do Estado é a pessoa e seu único objetivo é dar a ela o bem comum, devendo permitir sempre que ela exerça a sua dignidade como sujeito participativo na vida deste Estado, no limite de suas condições. Um Estado que não permite que este sujeito pratique a sua dignidade como pessoa humana, é um Estado que não produz felicidade, pois está muito ocupado apenas sendo Estado, para ele mesmo, e, assim, igualmente, perdendo parte de seu valor e sentido de existência.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Solidarismo

"O Solidarismo é uma doutrina portadora de uma dinâmica tendente a projetá-lo em um movimento e a encarná-lo em um sistema."

"Como doutrina, o Solidarismo tem como categorias básicas a pessoa humana e a comunidade humana."

"A pessoa, como ser racional, livre, social, é portadora de uma vocação a um destino transcendente ao mero processo histórico em que está envolvida e do qual participa como agente consciente. O Solidarismo não é uma doutrina imanentista, mas não é também uma doutrina "evasionista". Para ele, a pessoa humana realiza seu destino transcendente, como quer que ele seja concebido, pela sua fidelidade à vocação terrena, pela sua presença no momento histórico. Para ele, a pessoa humana como ser racional, livre e social é sujeito de deveres e direitos, que decorrem de sua condição social, política, econômica, ideológica, étnica ou cultural."

"A pessoa humana tem direitos naturais à vida digna, à educação, ao trabalho, à liberdade, à propriedade. O Solidarismo entende estes direitos não como meras outorgas legais, mas como possibilidades concretas. Vale dizer que, segundo o Solidarismo, a pessoa humana, pela sua suprema dignidade de ser humano, tem direito às condições concretas e reais que o possibilitem viver dignamente, trazer à plenitude, pela educação, seus talentos diversificados, trabalhar honestamente, afirmar sem coerções seus desejos e opiniões, exercitar sua liberdade de opções, possuir e, pela propriedade, realizar-se mais plenamente como ser humano."

"O Solidarismo sabe que as estruturas sociais vigentes não oferecem possibilidades reais para a realização destes direitos. Por isto, ele é essencialmente um protesto que se traduz num programa de reformas. O Solidarismo não é mero moralismo. É reformismo radical. Radical, porque quer construir a reforma das estruturas a partir da raiz - a partir da consciência. Assim, professa que a pessoa humana, além de direitos naturais, tem também deveres naturais. Deveres morais de consciência que se resumem nos deveres de justiça, de amor, de verdade, de lealdade, de solidariedade. Faltar a estes deveres não é para o Solidarismo apenas uma questão de infração passível de pena ou multa. É uma culpa moral, pela qual todo homem é responsável perante o tribunal incorruptível da consciência. Para um cristão, é um pecado, pelo qual é responsável perante Deus."

"O reformismo solidarista se baseia na segunda categoria da doutrina: a Comunidade. A reforma solidarista é uma reforma comunitária. O Solidarismo pretende deferir às comunidades reais, em todos os níveis em que se realizam, a hegemonia do processo histórico. Esta não pode caber nem ao Capital nem ao Estado, órgão de poder de um partido únido. Os destinos políticos são conferidos às comunidades nacionais, estaduais e municipais. O Solidarismo é nacionalista, estadualista deferidos às comunidades locais, às comunidades de vizinhança, às comunidades de trabalho, às comunidades de grupos. A grande ênfase do Solidarismo sobre a Comunidade se explica. A Comunidade é aquela realidade social da qual a pessoa humana participa na especificidade do seu ser, enquanto ser racional e livre. Como ser racional e livre, o homem pensa e quer. A Comunidade é o lugar natural onde os homens pensam e querem juntos. Projetam e decidem juntos em função do bem comum. Este é concebido precisamente com o conjunto das condições concretas, nas quais e pelas quais cada pessoa humana pode realizar os seus direitos naturais, obedecendo a seus deveres naturais. Da comunidade o homem participa não pelo que tem, mas pelo que é. A comunidade é a grande descoberta e a grande força do Solidarismo. Este é portador da certeza inabalável de que, à medida em que as comunidades-reais assumirem em suas mãos os seus próprios destinos, através de seus representantes legitimamente e honestamente escolhidos, haverá de realizar-se numa democracia total, política, econômica e social.

"O Solidarismo não se constitui de negações, de anátemas. Sua essência não é ser anticapitalista ou anticomunista. Tem uma consistência própria, uma mensagem própria. Ele é personalista e comunitário. Nesta sua mensagem reside a força de sua dinâmica e esta é capaz de transformá-lo em movimento. Existem múltiplas forças solidaristas em marcha. Muitos movimentos que se encaminham obscuramente para um ideal solidarista. Não é só tarefa de Solidarismo tanto criar um movimento novo, quanto enfeixar, dar conteúdo e objetivo às forças solidaristas atuantes que se desconhecem."

"Deflagrado o movimento solidarista, nada poderá impedí-lo de criar estruturas comunitárias, que permitam a plena realização das pessoas humanas. O trabalho é árduo, mas sua "chance" histórica é poderosa, é irresistível, porque o Solidarismo é o ideal a que confusa e inconscientemente aspiram todos aqueles que anseiam por um Brasil realmente democrático e cristão."

Escrita pelo Pe. Fernando Bastos de Ávila, no prefácio de Néo Capitalismo, Socialismo e Solidarismo. Retirado do livro Instituições Políticas e Sociais do Brasil (1965), de João Camillo de Oliveira Torres.


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Subsidiariedade e o golpe republicano

Há quem diga que o golpe ocorrido, no dia 15 de novembro de 1889, foi um passo à frente para o Brasil, que iria se tornar uma federação, igualzinha aos Estados Unidos da América, uma nação, até então, em ascensão. Copiar um modelo de forma arbitrária era algo altamente necessário a um Estado em formação como o Brasil, que alguns bem letrados consideravam chamar de monarquia federativa - após ter-se promulgado o Ato Institucional de 1834, que criou as províncias e as deu autonomias - o que os seguidores da ideologia de Montesquieu no Brasil contestaram energicamente, uma vez que, para eles, a monarquia era totalmente incompatível ao sistema federal, cometendo-se ali uma verdadeira confusão entre o que é uma instituição política do Estado e o que é uma instituição de Governo. Mas isto não importava. O que importava era fazer a elite brasileira delirar cada vez mais com a idéia de fazer do Brasil um sucesso econômico, tal como estava se tornando os Estados Unidos.

As ideologias dogmáticas, aquelas que não permitem à pessoa humana que ela seja exercício pleno de sua pluralidade em face da sociedade política, tendem por esquecer o que é o bem de todos, que se confunde também com o seu próprio bem. No momento em que em uma relação de paixões e inveja, que, embora pareçam, estão longe de serem virtudes como a prudência e a docilidade, atropelam a "phylia" e são movidas apenas pelos seus interesses de auto-determinar o que devemos ser e agir, estamos, então, beirando o utilitarismo, onde não há espaço para que a pessoa exerça sua dignidade como sujeito da construção do Estado, mas que seja um mero meio deste chegar a um objetivo. Começam-se então com pequenas idéias, pequenos sentimentos, até que, com ânimos em comum, se tornam um problema para a devida finalização do bem comum. E quem paga a conta deste descaso é a sociedade não-política, que por não ter sido sujeito da construção de seu bem comum, foi minimizada a um utilitário, uma célula no grande organismo que é movido pelo Estado.

O que aconteceu no Brasil, naquela manhã de 15 de novembro de 1889, foi a maior violação institucional política de sua história. E para quem pensa que os Estados, aqueles que iriam conservar suas autonomias estavam a festejar naquela manhã, se engana. João Camilo de Oliveira Torres descreve que as províncias foram informadas de que passavam a se tornar Estados-membros através de um telegrama. Nada mais indiferente para um discurso federalista que, na verdade, era da boca para fora. E o princípio de subsidiariedade, aquele que regulava e preservava as autonomias das províncias, este foi jogado no lixo por esta ideologia republicana. Fomos vítimas de um liberalismo exacerbado, de uma "febre" do momento, mas ainda não fomos institucionalmente maduros para superá-lo.

O princípio de subsidiariedade, ao contrário do federalismo republicano solidificado intelectualmente por Montesquieu, não é ideológico, e não é sequer exclusivo das federações, mas da vida humana em geral, seja das relações entre pessoas, seja da atuação das instituições presentes na sociedade. Ele finaliza a justiça nestas relações, medidas pela prudência, para que se procure o bem do próximo no bem comum. Acaba, portanto, por ser um método para uso circunstancial das virtudes que o compõem, que combinadas com a razão prática, potenciam-no para o campo da realidade.

Há uma coisa que é essencial para se conceituar um sistema federal, e é a sua autonomia em relação aos entes federados. Sem subsidiariedade para que se coloquem limites, de forma com que a União não "engula" os outros entes e não invada suas competências e suas capacidades, não há federalismo. E sem consciência pessoal de que a auto-participação é, não uma mera faculdade, mas um dever que a pessoa tem em pról do seu bem próprio e dos outros, no sentido de buscar soluções para que assim não seja vítima da renúncia de sua própria dignidade, não haverá mudança.