O ano era 1914, em plena primeira guerra mundial. O inverno castigava os soldados em meio às suas trincheiras, todas elas bastante equipadas e próximas uma das outras, com armamentos e soldados. Mas uma coisa diferenciava todas as outras noites naquele 24 de dezembro de 1914, supostamente em Flandres, na Bélgica.
O ambiente é visivelmente hostil. Em face às trincheiras, cadáveres por todos os lados. Porém, chegada a noite, alemães, franceses e escoceses, presentes em diferentes trincheiras - estes últimos dois aliados, porém em trincheiras separadas - começam a celebrar o miserável Natal que eles esperavam, com o esperado frio em meio à neve, com bebidas alcoólicas, com evidentes mágoas por não estarem juntamente às suas famílias, com a solidão e o desamparo de quem passou as últimas semanas debaixo do solo e de que não vê sentido nesta guerra.
Inicialmente, todos aparentam não possuir forças para lutar e matar o próximo. Querem simplesmente esquecer a guerra. Querem esquecer de seus sofrimentos, suas angústias, presentes em seus miseráveis corações. Porém, é o fim do advento, se aproxima o Natal verdadeiro, e algo acontece nesta noite.
O céu está estrelado. Da trincheira escocesa se escutam suas gaitas de fole e com ela todos cantam agachados. Os franceses estouram suas garrafas de champagne, às quais bebem com a tristeza de quem passa o Natal sem celebrar um verdadeiro Natal. Porém, das trincheiras alemãs, os mesmos derrotados - e após humilhados -, surge algo diferente.
Alguém estava cantando, alguém com linda voz. Um tenor em meio às trincheiras! Ousa começar a cantar "Silent Night" (Noite Feliz), que é acompanhada por algumas vozes escocesas ao escuro. Não se sabem de onde vêm e até aí não se tem certeza do que está acontecendo. A certeza é confirmada no momento em que a gaita de fole escocesa toca a mesma música e quando se menos vê, o tenor alemão e o gaiteiro escocês, de trincheiras diferentes, a não mais de 100m, começam a compor um dueto que haveria de romper as trincheiras.
Ambos os dois saem de suas trincheiras. O escocês é um pastor anglicano e sugere, tocando sua gaita, que ambos tocassem "Venite adoremus", um canto de Natal que provavelmente estará tocando na Missa do Galo mais próxima de sua casa neste sábado. Aí o advento acaba. Todos saem de suas trincheiras para acompanhar o espetáculo. E de pedir "venite adoremus o Dominus", não é que Ele veio mesmo para o Natal?
Os comandantes se juntam, combinam um cessar-fogo, dialogam, riem, compartilham suas bebidas, cantam e, pasmem, resolvem celebrar o Natal cristão juntos!
Ali o significado muda completamente. Não é somente o amor a Cristo, na noite que celebra o seu nascimento - pois o filme mesmo relata que o comandante alemão era judeu - mas o início de uma nova regra de guerra, a regra do amor ao próximo daqueles que estavam miseráveis e que ali se tornaram ricos. Ricos de amor, ricos de amizade, ricos de caridade. Alguns talvez não vejam tão facilmente, mas acredita-se, que no início de preces eucarísticas como esta, embora não houvesse consagração de Corpo e Sangue de Cristo, era Ele presente em Espírito que os uniu. E isso comprometeu a guerra, como veremos.
Após esta noite de Natal, foram seis dias de recolhimentos de corpos, jogos de futebol e (pasmem novamente!) avisos daqueles que deveriam ser os inimigos de que suas trincheiras seriam bombardeadas pelos seus exércitos, dando inclusive abrigo ao "inimigo" em suas trincheiras. Quer maior prova de amor ao próximo do que, além de baixar as armas, não deixar que ele morra?
Estes senhores, todos provavelmente já presentes na eternidade, não saibam, talvez nem tenham imaginado, mas concederam à raça humana um dos maiores testemunhos de amor de Natal já vistos na história da humanidade. São atos como este que demonstram que a nossa guerra rotineira - aquela que fazemos pelo nossos valores e pela mudança de nosso desmoralizado senso comum - mesmo se temos ou não inimigos, não levam a nada se não forem feitos por amor ao próximo. E quando a guerra é injusta, como dizia Tomás de Aquino, nem a própria natureza da pessoa a suporta, pois o homem foi feito para amar e não para matar.
Já a Europa, tendo derrotado a Alemanha, não aprendeu com os seus soldados. A humilhação imposta à Alemanha, pelo Tratado de Verselhes, foi tão grande que o ódio conquistado foi uma das grandes razões do sucesso da Constituição de Weimar, que centralizou o poder do país, e que viria a flexibilizar sua instituição política para o regime mais totalitário de todos os tempos: o nazismo, este movido pelo sentimento popular mais primitivo, alimentado pelo caos e pela humilhação.
Portanto sugiro, neste Natal que se aproxima, que deixemos nos levar pelo Espírito Santo e tentemos nos aproximar de Jesus na Eucaristia enquanto há tempo. Àqueles que não são católicos, que se aproximem dele de forma espiritual neste tempo, pois é agora a hora que vamos reconhecer que somos miseráveis, fracos e queremos toda a inocência, a bondade, o ágape - a entrega - que nos tenhamos tudo isso a Ele em nossos corações.
Que todos tenham um Feliz Natal, e não um Natal satisfatório, mas cheio de amor, pois Ele veio ao mundo para nos dar isso, e a nós nos cabe fazermos o possível para retribuir, seja com um humilde e pequeno blog, seja com uma voz que ultrapasse e emocione as multidões.
Que os seus adventos tenham sido a preparação para este momento maravilhoso e que possam disfrutar de cada momento maravilhoso que o Menino Jesus vai proporcionar em nossos corações.
Abaixo, temos o vídeo do filme "Feliz Natal" que retrata o que ocorreu naquela noite de 24 de dezembro de 1914.
* A tradução do português brasileiro é incorreta, pois substitui "E com o seu espírito" por "Ele está no meio de nós"
** Há um sentido na frase em latim de "levantem seus corações".
*** A tradução do português inclui o vocábulo "salvação", não somente "é digno e justo", mas é nosso "dever e nossa salvação". O que eu, um amante da liturgia, discordo pessoalmente, pois dignidade apesar de estar ligada ao dever (principalmente à participação, como neste caso) não é se auto-sustenta com o ser simplesmente digno e vincular todos os valores relacionados à dignidade. Ademais, justo e salvação são vocábulos muito distantes, vez que nem toda a salvação é justa, mas devemos sempre considerar, neste caso que Deus é justiça, mas também misericórdia, então ao meu ver, enfatiza ainda mais o vocábulo salvação, pois só os justos e misericordiosos serão salvos.
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