Eis uma questão que divide a sociedade em sua resposta. Sabemos que a grande maioria considera a solução política como meramente ética. Ou seja, os problemas de corrupção, em suma, seriam originados de pequenos desvios de conduta, frutos da falta de formação de consciência da pessoa que a faria agir de forma delituosa e corrupta adentro a instituição política. Não está de toda errada a lógica, mas vamos analisar mais profundamente as outras duas alternativas que coloco, para certificar-nos de que estamos raciocinando no caminho correto.
Culturalmente, o brasileiro teria herdado uma cultura transgressora por natureza. Isso é tratado no livro Cultura das transgressões no Brasil - Lições da história, onde José Murilo de Carvalho culpa, carinhosamente, os cariocas por serem os precursores do chamado "jeitinho brasileiro". A transgressão cultural, por fim, se confunde com a ética, no sentido de que é também um desvio de conduta moral, um problema de consciência e reconhecimento de que passar os outros para trás é se passar para trás, é desunir sua comunidade, é procurar, ao fim, apenas o bem próprio, seja através da política ou do mero convívio social.
Porém, falta uma peça no quebra-cabeças da política que pode explicar inclusive a origem da cultura transgressora e da falta de ética, que é a própria instituição. Platão, em As Leis, afirmava que o legislador haveria de se preocupar, sobretudo, com o instinto da natureza humana, de forma com que a própria instituição política protegesse o que é de todos - neste caso a polis - do lado mais primitivo da pessoa, que é o seu prazer de possuir riqueza e poder. Isso excluiria, portanto, a transgressão cultural e a ética como os grandes causadores da corrupção, pois com elas a corrupção se tornaria um mero desvio moral voluntário e não uma fraqueza humana - e aqui partimos da premissa de que todas as pessoas são, por natureza, boas, porém fracas e limitadas.
Não podemos excluir, é claro, a questão ética e cultural, mas podemos pensar que as nossas instituições podem, não somente proteger o que é de todos daqueles que mais enfraquecidamente se entregam às falhas humanas, mas também dar o exemplo, como afirmava o libertador gaúcho Raul Pilla, no livro A Revolução Julgada, no seu discurso proferido na seção de 17 de agosto de 1965, na Câmara de Deputados: "Que se espera, pois, para atacar o mal em suas raízes profundas? Se a Revolução se fez contra a corrupção, - embora não só contra ela - porque não se faz a reforma que a extirpará? Bastará castigar os corruptos, mantendo as fontes da corrupção? (...) corruptos e corruptores são, até certo ponto, vítimas do sistema político de irresponsabilidade há três quartos de século instituído no País".
Pilla, um defensor do parlamentarismo em face do presidencialismo, justifica porque a escolha: "É o sistema da responsabilidade plena dos governantes, contra o da prática e total irresponsabilidade. É o sistema do governo sensível à influência da opinião pública, contra o do que, depois de eleito, a ela se subtrai completamente. É o sistema que, por seu próprio fundamento, educa politicamente os cidadãos, contra os que os reduz à atividade, mais ou menos consciente, de eleger senhores.". Estamos afogados, portanto, no argumento de que o problema seria verdadeiramente institucional, como vínhamos falando.
Nosso país teve suas instituições frutos de uma cópia da instituição americana - no seu auge econômico - porém não soube conciliar nem o princípio de subsidiariedade, em relação às autonomias dos estados-membros, e nem um sistema de governabilidade que valorizasse a representação popular em face do governo-pessoal, que é corolário ao presidencialismo centralizador brasileiro. As soluções atuais, como a lei do "Ficha Limpa", o voto em listas e o financiamento público de campanha não são soluções verdadeiras, uma vez que eles apenas "podam" as pontas do problema, sem atuar na raíz do vício, que é a instituição política.
Alivia-me apenas o fato de que soluções pequenas como estas já causam grande comoção popular para que se modifique o Estado e se elimine a corrupção, mesmo que com pouca fé na polis. Imaginem então a comoção que haveria se o povo soubesse de fato como resolver o problema, soubesse qual é o seu verdadeiro inimigo e soubesse como se pode mudar o país e fazê-lo uma escola de virtuosos e não de corrompidos. A solução, amigos, só depende de nós exercermos a cidadania de forma sujeita e ensinar o povo brasileiro a amar a sua bandeira, de forma a lutar por ela e por suas instituições que a formam e a refletem.
Fontes utilizadas:
- PILLA, Raul. A Revolução Julgada - A Crise Institucional. Lima: Porto Alegre, 1969.
- PLATÃO. As Leis. Edipro: Bauru, 1999.
- CARDOSO, Fernando Henrique; MOREIRA, Marcílio Marques Moreira. Cultura das transgressões no Brasil: lições da história. Saraiva: São Paulo, 2008.
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